quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Decidi ir caminhando de volta para casa. Já era escuro e chovia bem fininho. Era escuro, mas tinha bastante movimento. Chovia, mas fazia muito calor. Chuva boa essa. Refresca, mas não seca a roupa que está no meu varal, e já faz alguns dias. Estou quase sem roupa para vestir. Sem meias para calçar. Decidi ir caminhando de volta para casa. Já era escuro e chovia bem fininho. O caminho nem é longo. Uma rua reta. Esquerda. Outra rua reta. Esquerda novamente. Pronto.Casa. lar.Estou apertado. Preciso muito ir ao banheiro. Me recuso a fazer essas coisas na rua. Sempre disse assim: não sou animal. Oras. Decidi ir caminhando. Sozinho. Pensando num monte de coisa que teria para fazer em casa, que teria que fazer no dia seguinte. Estava escuro e chovia. Esqueci meu guarda-chuva em casa. Sempre. E estava usando meu tênis mais velhinho, aquele que mais gosto, que tem a sola rasgada. Em dias de chuva molho todo meu pé. Sempre uso ele em dias de chuva. Sempre. Decidi ir andando para casa e uma coisa que reparei é que sempre olhamos na altura de nossas olhos. Já tenho esse caminho decorado, pela altura dos meus olhos. Decidi olhar para o chão. Calçada irregular. Pedras portuguesas. Novamente calçada irregular. Buracos. Bueiros. Quase que caio. Pedras portuguesas brancas, pretas...infinitos desenhos. Novamente olho para a frente. Rostos diversos. Olho, nariz, boca, orelhas...numa combinação perfeita que não se repete. Se assemelha, mas nunca se repete. Exceto em caso de gêmeos, mas mesmo assim é possível perceber as suas particularidades. Decido olhar para cima. Não parece a mesma rua que caminho sempre. Reta, esquerda. Outra reta e esquerda novamente. Prédios. A copa das árvores. Umas robustas, outras raquíticas. Outros prédios. Fachadas. Janelas. Cortinas diferentes. Pessoas nas janelas. Ao telefone. Televisão ligada. Luz. Antenas. Isso é o que chamam de dimensões paralelas. Decidi ir andando para casa. Já era noite. Chovia. Vou olhando para cima. Vazio. Vazio. Camadas de vazio. Estrelas. Infinito.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Me lembro de quando a gente era criança. Sim.Criança. E parece que foi ontem. E a gente amadureceu assim, bem depressa. E com isso veio junto um monte de coisa. Um monte de coisa que acompanha esse amadurecimento. Coisas que crescem como erva daninha junto das sementes que plantamos na nossa horta. Não queria amadurecer. Queria continuar inocente contigo e contigo comigo mesmo contendo. A nossa inocência intocada. Nossas mandíbulas fora do lugar de tanto rir. Nossos olhares sempre cumplices.
Estou feliz contigo e acredito que contigo comigo também. As coisas vão saindo mesmo das linhas, e tudo se transforma numa nova pintura, que a gente nunca sabe o que vai dar, que a gente nunca sabe o que vai representar. Ceci n'est pas une pipe.
Pensando bem, ainda possuimos a nossa inocência. Pós-conhecimento, pós-muita-experiência. E sim, amadurecemos. Com toda a carga positiva ou negativa que essa palavra concreta fisicaliza em nossa vida.
Vivo feliz contigo e isso é o que mais importa. E digo isso sem dedos. Sem cabelos. Sem pele nenhuma no corpo. De alma e de todo coração.

sábado, 11 de outubro de 2008

Madeleines - cores - sabores - tempo

Rabisco no papel de pão.Disputo cada centímetro com minha mãe, que usa para tirar o excesso de gordura do bife à milanesa. Acabaram as folhas do caderninho preto. Acabaram as folhas do papel toalha Snob, marca preferida de minha mãe. Tenho que anotar tudo para providenciar mais tarde. Com urgência. Com máxima urgência. Escrevo com lápis, Faber-Castell número 2, ponta feita com faca, ponta quadrada, irregular...as primeiras palavras saem feias, mas depois a letra fica redondinha, como se estivesse usando caderno de caligrafia. Tento escrever todo o percurso de minha mãe na cozinha, todos os seus passos, os ingredientes que ela usa, o tempo estimado no forno de cada alimento. Com um olhar atento eu anoto, vigiando o relógio na parede e a altura do fogo. Em breve lançarei meu livro: receitas de mamãe no papel de pão.
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...os cheiros atiçam a minha memória. vem assim, involuntariamente. vem assim, como em Proust, sem nenhum esforço, um turbilhão de imagens. Às vezes é uma cor, um som, um sabor. nunca provei nenhuma madeleine, mas os doces de minha avó. quero lembrar o nome de um, mas não consigo. já lembrei do gosto em outras coisas que comi, mas nada é igual aquela espécie de pãozinho que ia ao forno. logo lembro do tabuleiro quente, do café com leite no copo de canudo. leite quente. via minha avó trocar de copo repetidas vezes para esfriar um pouco. copinho com canudo, de plástico.leite quente com um pouquinho de café. só um pouquinho, senão não gostava. feito pela Tiradentes da família. tinha pavor de minha avó quando ficava mole meu dente de leite. ela e seu lencinho cutando até ele cair.e por isso passou todos os meus primos. hoje, nem pensar. falam em psicologia infantil.os netos mais novos não passam pelo lencinho, todos vão ao dentista.mas tudo era esquecido com comilança na vovó. pãozinho de forno, bolo, suspiro, pé-de-moleque, café com leite no copinho de canudo, torrada como manteiga e açúcar...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Querendo fazer as pazer com o que anda pendente:

2º - com a minha capacidade de memória. de aglutinação. de justaposição dos fatos.
Qualquer movimento em falso pode resultar em catástrofe. Para mim. Para você. É tão difícil seguir uma linha reta, e tentar não se confrontar com nada? Principalmente aquilo que a gente cria. Que a gente escreve, que afirma com certeza absoluta e no final das contas nada se revela como é, em nossa mente demoníaca. Movimento em falso. São as palavras. As palavras que saem da minha boca. São as palavras e são as coisas que faço, que refaço, que enxerto no nosso dia-a-dia. Prometi, cumpri. Durante alguns segundos. Depois tudo se esvai. Tudo fica ali, exposto, esparramado, diante de uma figura patética, que não sabe o que diz. Que não sabe nem por que as palavras, e as coisas, e certos detalhes são ficcionais. Movimento em falso. Que não faça da sua própria ficção,realidade.

sábado, 27 de setembro de 2008

É importante prestar muita atenção em tudo...(apaga, não está bom). Você precisa de alguma coisa. Não sei o que é, menino. Acho que é vida. Isso. Vai, vai. Vai correr o quarteirão, vá ver se encontra alguma coisa. De lá vai para um outro bairro, mas cuidado. Olhe sempre para os dois lados, pode ter sempre uma bicicleta na contramão, mas não tenha medo. Se você for com cuidado, com responsabilidade...
Isso. Você precisa correr em busca de todo o tempo perdido. Você é forte, novo, não tem filhos, é cheio de saúde, nada te prende aqui - mesmo você querendo que prenda - nada. Mas, veja bem, me mande sempre notícias, me diga como vai indo a sua pseudo-aventura. Tome, leve esses sapatos confortáveis para você não precisar ficar parando sempre. Tome, leve essa máquina fotográfica, leve essas canetas e uma boa quantidade de papel e tome nota de tudo,registre tude, até para prestar contas consigo mesmo. Tente lembrar de todos os cheiros, eles sempre irão te levar de volta para o lugar em que você esteve, mesmo que você não saiba o caminho de volta.
É importante prestar muita atenção.
Ah, e seja você. Não tente se esconder de ninguém. Vai, corre.E observe, anote, fotografe, sinta os aromas do tempo, sinta o seu pé na areia estranha e volte correndo e me conte tudo o que aconteceu, depois de tantos anos, depois desse intensivo de vida.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Se preocupar com coisas essenciais!
- O que fazer para comer na semana que vem?
Que falta de criatividade.
- Massa. Um clássico. Um enredo sempre reeditado. Molho branco, de tomate, pesto...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Enfim...sol. Depois de tanto tempo frio e chuva. Cama desfeita e roupa suja. Siso e promessas de extração. Leitura acumulada e muito filme em dvd. Grito de E.Ts na escola ao lado. Receio que no fundo aquilo não seja uma escola. São crianças abduzidas em campo de concentração. Elas gritam. Acordo antes das oito. Sei que horas são. Elas não estão gritando. Elas ainda não estão lá. Acordo as dez da manhã. Já é tarde. Gabriel grita. Eles estão lá. Serezinhos verdes.Enfim..sol. Coloco dois despertadores para me acordar. Se um falhar o outro funciona. Sim. Tenho T.O.C. Um despertador me acorda as oito, enquanto o outro ainda marca sete e cinquenta e seis. Quatro minutos de sono, de sonho. É preciso levantar...água na cafeteira. Não tem pão. Ovos, mexidos. Abro a janela..enfim..sol.Tudo muito comportado em Auschwitz. Ainda. Ainda é cedo. Estão conjugando o verbo, ainda. Numa língua que eles pensam que me enganam. Gabriel, gabriel...senta. copia.pára.sossega.escreve. Tanto verbo, coitado. Gabriel, Gabriel...em todos os tempos...e ele lista os seus verbos do dia-a-dia, no infinitivo...correr, andar, caminhar, falar, gritar, pentelhar - eu pentelho, tu pentelhas, ele pentelha. Sim. É um verbo. Pelo menos para Gabriel - azucrinar, mexer, escrever, desenhar...um infinito de infinitivos. Café tá pronto. O ovo já tá mexido. Banho. Roupa. Mochila. Ônibus.Trabalho.Faculdade.Casa.

sábado, 13 de setembro de 2008

personagem: ela.
Cantora antropomórfica

É preciso estabelecer as coisas. Desde que recebi aquela notícia, resolvi que não era comigo. Que nada me atingia, que o problema não era meu. Enfim. Ignoro isso tudo. Sim, ignoro. Nunca tive tanta satisfação em dizer isso. I, g, n, oro...saboreando bem essa palavra. Sendo bem malévola. I, g, n, oro tudo o que aconteceu no passado. Tudo que aconteceu entre a gente nunca existiu. O problema é que não consigo sustentar esse personagem. E sim...eu não ignoro. Sou uma farsa. Eu, mim, tu, quem, onde...um montão de pronome oblíquo, relativo, indefinido...Quis dizer muita coisa, mas tudo se perdeu. Sim. O problema não é meu. Caderninho preto. Escrevo tudo o que um dia posso esquecer, e isso eu não quero! Sim, sim. Façamos promessa!
Entenda o que quiser. Faça macumba, ignore todos os pedidos de reconciliação e não de desculpas - veja bem - afinal, você não está certo em porra nenhuma. E nem digo que eu estou certa. Não digo nada, para falar a verdade. Nada. Mas foi você que me expulsou da sua casa e disse que não queria mais me ver.
No fim você é que está certo e eu errada! Seguindo a lógica natural das coisas, quando um não quer, dois não brigam.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Voltando a fazer as pazes com o que ficou pendente:

1º - Comigo. Deixando meu niilismo de lado. (Ok)
Deixe de lado tudo isso. Venha deitar e relaxar o seu corpo pesado. Trabalho de casa é movimento cíclico. Pra que se a gente vai jantar novamente, se a gente vai dormir amanhã? Bom ficar na cama até tarde, e levantar, e ir até o banheiro, e voltar para a cama quentinha. Assim, num movimento cíclico. Faço de mim uma não-obrigatoriedade, uma não-objetividade. Um círculo cheio de lados.
Escrevo para passar o tempo, mas não me obrigo. Deixo lacunas. Lacunas no tempo. Tem dias que escrevo compulsivamente, outros que chego a esquecer o idioma que falo.
Movimento cíclico.
Deixo tudo como está. Descansar a cabeça.
Escrever para que, se tudo nunca será suficiente?
Viver a insuficiência.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Certo dia me deparei com coisas estranhas em minha casa (tirando os barulhos medonhos de minha geladeira e do vasculhante que está quebrado e fica batendo com o vento). Junto com a minha roupa suja surgem meias estranhas, não são minhas! Surgem calcinhas com desenhos de melancia, de florzinha...sei lá, não olhei os detalhes para afirmar com definitiva certeza o que seja. Toalhas são esquecidas lá, e escovas de dentes no armário do banheiro. Esqueceram um pijama junto com a roupa de cama que separo para hóspedes. O Pijama estava arrumadinho, entre o lençol e o travesseiro.
Recebo pessoas de todas as partes do mundo. Uma residência bem cosmopolita a minha.Deixam recados na minha geladeira. Sabem a senha de acesso do meu computador. Lavam até a minha louça, as vezes. Me dão pequenos presentes. É bonito, mas sou desapego também. Posso ser grosso e isso vai além de eu querer ou não. Quando eu vejo já foi. Se eu disser alguma coisa que desagrade, não ligue... São as dualidades do meu sujeito: que se sente invadido, mas que celebra essa invasão quase orgiástica.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Assim começo. Sem ter muito o que dizer. Sem ter nada para escrever, essa que é a verdade. As coisas vão surgindo, eu sei. tenho que acreditar nisso. Que, de fato, as coisas vão acontecendo.Vão ganhando forma em meio a tanta imprecisão. E assim as letras vão ficando tortas, feias, quando escrevemos rápido demais, no intuito de não se perder no pensamento. As coisas vão surgindo, mesmo no meio de tanta confusão, no meio de tanta sujeira e spam. Mas é preciso dar mais espaço e não preencher com nada. Deixar tudo nas entrelinhas. Não ser direto, concreto. Aproveitar toda abstração, todo irrealismo e toda grande indecisão. Aproveitar o problema e não tentar descobrir solução. Viver a insolução do problema, que no final, afinal, as coisas vão surgindo.