sábado, 11 de outubro de 2008

Madeleines - cores - sabores - tempo

Rabisco no papel de pão.Disputo cada centímetro com minha mãe, que usa para tirar o excesso de gordura do bife à milanesa. Acabaram as folhas do caderninho preto. Acabaram as folhas do papel toalha Snob, marca preferida de minha mãe. Tenho que anotar tudo para providenciar mais tarde. Com urgência. Com máxima urgência. Escrevo com lápis, Faber-Castell número 2, ponta feita com faca, ponta quadrada, irregular...as primeiras palavras saem feias, mas depois a letra fica redondinha, como se estivesse usando caderno de caligrafia. Tento escrever todo o percurso de minha mãe na cozinha, todos os seus passos, os ingredientes que ela usa, o tempo estimado no forno de cada alimento. Com um olhar atento eu anoto, vigiando o relógio na parede e a altura do fogo. Em breve lançarei meu livro: receitas de mamãe no papel de pão.
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...os cheiros atiçam a minha memória. vem assim, involuntariamente. vem assim, como em Proust, sem nenhum esforço, um turbilhão de imagens. Às vezes é uma cor, um som, um sabor. nunca provei nenhuma madeleine, mas os doces de minha avó. quero lembrar o nome de um, mas não consigo. já lembrei do gosto em outras coisas que comi, mas nada é igual aquela espécie de pãozinho que ia ao forno. logo lembro do tabuleiro quente, do café com leite no copo de canudo. leite quente. via minha avó trocar de copo repetidas vezes para esfriar um pouco. copinho com canudo, de plástico.leite quente com um pouquinho de café. só um pouquinho, senão não gostava. feito pela Tiradentes da família. tinha pavor de minha avó quando ficava mole meu dente de leite. ela e seu lencinho cutando até ele cair.e por isso passou todos os meus primos. hoje, nem pensar. falam em psicologia infantil.os netos mais novos não passam pelo lencinho, todos vão ao dentista.mas tudo era esquecido com comilança na vovó. pãozinho de forno, bolo, suspiro, pé-de-moleque, café com leite no copinho de canudo, torrada como manteiga e açúcar...

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