quinta-feira, 16 de setembro de 2010



Imaginava como acordaria todo dia. Naquele buraco, cova, ninho que se transformou o seu lado da cama. Com o sol entrando pelas frestas daquela cortina remendada com grampos...

- Cortinas novas!

Era importante anotar, para mais tarde providenciar.

Com o barulho daquela janela quebrada.

- Você sabe o que acontece quando venta.

E imagina como seria se nada disso fosse como está sendo agora! E como seria com a carrapeta.Não sabia nem que existia uma.O chuveiro continuaria desperdiçando água!Como seria? E sobre Ingres, sobre a metafísica, sobre a sinceridade - sine-cera - sobre alguns pratos já institucionalizados, sobre a cebola e sobre o tomate, e as cervejas importadas que nunca iria tomar,sobre as bobagens na internet que ficaria sem ver, sobre desatar os nós dos cabelos, gastar horas e os dedos em mensagens de texto e sentir prazer nisso... Sobre viver sem compromisso. Sobre felicidade. Sobre a importância de ser do jeito que é e não do jeito que precisa ser, sobre mudar porque sobre a mudança demanda necessidade e não obrigação.Sobre algumas regras da física: desaceleração, movimento... Sobre o espírito. Sobre o material.Sobre as promessas sem promessa nenhuma,sobre ele, e sobre tanta coisa que trazia consigo.

O cesto de roupa estava cheio. Transbordando.

- Precisamos colocar roupa na máquina, porém não tem sabão.

Munido de algumas experiências e habilidades. E prometeu muita coisa que sabia que não ia cumprir, principalmente...especialmente...especificamente na atual circunstância.

- Cautela nunca é demais.

- Cada coisa a seu tempo.

- Falar é prata. Silêncio é ouro.

- Devagar se vai longe.

- Pense duas vezes antes de agir.

Resolveu ignorar toda a sabedoria popular para, afinal ...

- Aprenda todas as regras e transgrida algumas.

E com isso “amor” dizia “ o tempo” engasgava “ o tempo” não queria explicar o que não podia, o que não sabia “ amor, imagina”...

Ele imagina. Ele sabia que ele imaginava.Como seria naquele buraco, cova, ninho que se transformou o seu lado da cama.Com o sol entrando pelas frestas daquela cortina remendada com grampos, com o barulho das crianças da escola ao lado, com o cheiro de comida dos outros apartamentos, com o barulho do rodo batendo na porta - quando o rapaz da faxina lava o corredor ainda cedo – com a música, em coro, que vinha da rua com o pelotão da polícia fazendo exercício pela manhã ( nunca havia visto, somente escutado). Sozinho. Ele já não lembrava mais como era antigamente. Havia tomado conta de tudo. Impregnado toda a sua existência.

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