Imaginava como acordaria todo dia. Naquele buraco, cova, ninho que se transformou o seu lado da cama. Com o sol entrando pelas frestas daquela cortina remendada com grampos...
- Cortinas novas!
Era importante anotar, para mais tarde providenciar.
Com o barulho daquela janela quebrada.
- Você sabe o que acontece quando venta.
E imagina como seria se nada disso fosse como está sendo agora! E como seria com a carrapeta.Não sabia nem que existia uma.O chuveiro continuaria desperdiçando água!Como seria? E sobre Ingres, sobre a metafísica, sobre a sinceridade - sine-cera - sobre alguns pratos já institucionalizados, sobre a cebola e sobre o tomate, e as cervejas importadas que nunca iria tomar,sobre as bobagens na internet que ficaria sem ver, sobre desatar os nós dos cabelos, gastar horas e os dedos em mensagens de texto e sentir prazer nisso... Sobre viver sem compromisso. Sobre felicidade. Sobre a importância de ser do jeito que é e não do jeito que precisa ser, sobre mudar porque sobre a mudança demanda necessidade e não obrigação.Sobre algumas regras da física: desaceleração, movimento... Sobre o espírito. Sobre o material.Sobre as promessas sem promessa nenhuma,sobre ele, e sobre tanta coisa que trazia consigo.
O cesto de roupa estava cheio. Transbordando.
- Precisamos colocar roupa na máquina, porém não tem sabão.
Munido de algumas experiências e habilidades. E prometeu muita coisa que sabia que não ia cumprir, principalmente...especialmente...especificamente na atual circunstância.
- Cautela nunca é demais.
- Cada coisa a seu tempo.
- Falar é prata. Silêncio é ouro.
- Devagar se vai longe.
- Pense duas vezes antes de agir.
Resolveu ignorar toda a sabedoria popular para, afinal ...
- Aprenda todas as regras e transgrida algumas.
E com isso “amor” dizia “ o tempo” engasgava “ o tempo” não queria explicar o que não podia, o que não sabia “ amor, imagina”...
Ele imagina. Ele sabia que ele imaginava.Como seria naquele buraco, cova, ninho que se transformou o seu lado da cama.Com o sol entrando pelas frestas daquela cortina remendada com grampos, com o barulho das crianças da escola ao lado, com o cheiro de comida dos outros apartamentos, com o barulho do rodo batendo na porta - quando o rapaz da faxina lava o corredor ainda cedo – com a música, em coro, que vinha da rua com o pelotão da polícia fazendo exercício pela manhã ( nunca havia visto, somente escutado). Sozinho. Ele já não lembrava mais como era antigamente. Havia tomado conta de tudo. Impregnado toda a sua existência.